A mendicidade é uma realidade
que afecta quase todas as cidades do mundo. Este facto mostra que o
fenómeno em questão é mais característico do meio urbano. É muito
difícil ver um mendigo na zona rural. Este fenómeno é muitas vezes
associado ao fenómeno da pobreza no sentido da falta de rendimentos para
a sobrevivência. Os mendigos são vistos como indivíduos que se deslocam
para o meio urbano em busca de condições para a sua sobrevivência. Mas,
não se podem excluir os que são residentes do meio urbano (por baixo
das pontes, em edifícios degradados ou abandonados, nas escadas dos
edifícios, em cabanas construídas em caixas de papelão ou mesmo em casas
condignas dos seus membros da família).
Uma vez no meio urbano,
os indivíduos fazem um investimento humano e material para a prática da
mendicidade. Há mendigos que geralmente têm residência própria e fazem
da mendicidade a sua profissão uma vez que é através desta que se
conseguem manter vivos e alguns garantem a sobrevivência da sua família.
Há um estudo feito pelo Dr. Joaquim Nhampoca
e um outro feito pela Dra. Rehana Capurchande, que mostram que os
indivíduos que praticam a mendicidade, sabem como se devem apresentar (a
sua vestimenta, a expressão corporal e facial) para serem aceites como
mendigos e beneficiarem da esmola. Alguns deles assumem que são mendigos
naquele contexto e momento em que precisam da esmola, mas num outro
contexto já não aceitam ser tratados como tal. Esse comportamento é
demonstrado por idosos, jovens e mesmo menores (crianças), podendo todos
esses ser portadores de deficiência ou não.
Há cidades em que os
mendigos aparecem a tomar refeições em grandes restaurantes de luxo,
pagando com os valores que conseguem angariar nas ruas. Aqui na cidade
de Maputo, há um artigo foi publicado no jornal A verdade em 2013 em que
se denunciava um mendigo que usava o valor que recebia, para comprar
bebidas alcoólicas e passar refeições nas barracas. Um outro falava duma
senhora mendiga que era proprietária duma casa descrita como bonita no
bairro da Liberdade, na Matola. Era uma mendiga que sempre pedia um
metical para aumentar no valor que tinha para apanhar chapa para ir ao
Hospital Central de Maputo fazer visita dum familiar doente. Sendo
convidada a subir o “chapa” pagando o valor que tinha, esta não aceitava
alegando que estava a espera de mais uma pessoa para juntos irem ao
hospital. Isso mostra que há indivíduos que fazem investimentos com os
valores que ganham por mendigar.
Essa mendicidade pode ser
classificada como preguiça laboral? Os que responderem que sim é
preguiça laboral, estariam a concordar com aqueles que consideram que
ser mendigo é fácil ou é uma maneira fácil de ganhar dinheiro. Será
mesmo fácil?
Na verdade, o fenómeno da mendicidade é muito
complexo. Os mendigos agem como trabalhadores: têm horários de entrada e
saída, têm uniforme, conhecem os seus alvos (passantes, pessoas que
descem dos chapas, automobilistas, comerciantes etc.). Estes mendigos
têm um rendimento pelo que fazem. Afirma-se que no jornal A verdade do
dia 22 de Agosto de 2013 alguns mendigos chegam a ganhar entre 200Mt a
800Mt por dia (6000Mt a 24000Mt por mês).
No seio desse grupo de
mendigos, há os que se acham mais mendigos que os outros e por isso
precisam muito mais. Nesses grupos, encontramos os que os próprios
mendigos rotulam de falsos mendigos. Fazem parte desse grupo geralmente
os jovens com capacidade de trabalhar. Apesar de serem desta maneira
rotulados, esses têm também os seus rendimentos e deles sobrevivem. Em
alguns países, a mendicidade acabou sendo proibida, com a prescrição de
multas e penas de prisão. A medida resultou na eliminação do fenómeno ou
aumentou a sua complexidade?
A complexidade com que esse
fenómeno se apresenta na nossa cidade exige que mais estudos sejam
feitos para a sua compreensão para evitar levar a cabo acções que
somente possam ser dispendiosas para os cofres do Estado. É um pouco
falacioso tentar defender a possibilidade de combater a mendicidade
contudo estratégias para sua redução podem ser pensadas.
A
mendicidade é um problema social urbano semelhante à prostituição e à
criminalidade e não pode se combatida por acções educativas, sanitárias,
nutricionais, pela boa governação, empreendedorismo etc. Os mendigos
são indivíduos que merecem a atenção do Estado e devem ser protegidos de
todo tipo de discriminação e violência de que alguns são alvos.
A mendicidade é um problema que faz parte do meio urbano. Contudo,
acções concretas podem ser levadas a cabo para evitar ou reduzir a sua
reprodução. A criação dum sistema de registo dos mendigos seria um
primeiro passo, no meu entender. Em seguida, procurar compreender as
razões concretas que levam esses indivíduos a praticar a mendicidade
(pobreza, abandono pelos/dos familiares, preguiça laboral, problemas
mentais, desemprego, educação etc.). Terceiro, identificar acções
concretas que possam conduzir à redução da influência de cada um dos
factores que levam à mendicidade. Finalmente, criar instituições que
possam tomar conta dos mendigos em função da sua especificidade e criar
mecanismos de controle da entrada de novos mendigos.
Nesta minha
análise, excluo os indivíduos que só se dedicam à mendicidade às
sextas-feiras nos estabelecimentos comerciais de comerciantes que
professam a religião islâmica. Considero que estes mendigos têm um
conjunto de particularidades que poderei mencionar em momento oportuno.
Marcos SINATE