terça-feira, 17 de março de 2015

Moçambique é África mas África não é Moçambique

 Não é hábito meu escutar a rádio nas manhãs! Mas esta manhã sintonizei a RTP África e fiz a minha viagem para a cidade de Maputo escutando uma entrevista dada pela famosa cantora portuguesa do fado, Anabela. Para além de cantora, Anabela é actriz, fazendo teatro musical e novelas. Esta cantora lançou este ano o seu novo álbum intitulado ‘‘Casa alegre’’. Trata-se dum álbum que é composto por vários temas com ritmos diversificados. Dentre os vários temas que compõem o ‘‘Casa alegre’’, figuram os que a cantora considera que têm um ritmo mais de África. É esta última ideia que pretendo comentar neste artigo.

Já muitos séculos passaram e várias ideias sobre a África foram construídas para responder a certas necessidades do tempo da colonização e algumas persistem até à actualidade. Os europeus legitimaram, através dum conjunto de ideologias, a colonização, reforçaram a ideia da necessidade de civilizar o africano, dividiram os africanos em assimilados e não assimilados, procuraram provar e provaram que o africano era e é atrasado por isso precisa da intervenção dos europeus para se desenvolver, criaram uma África representada por monstruosidades, aberrações, irracionalidades, obscurantismos, trevas, etc. Tudo o que existia, acontecia, era feito pelos africanos, desde que fosse diferente do que existia, acontecia, era feito pelos europeus era categorizado como negativo.

Porém, a realidade mostrou que era apenas um conjunto de ideologias sem fundamento prático pois, no meu entender, do encontro entre os ocidentais e os africanos houve um intercâmbio sociocultural, político e económico. Os africanos aprenderam dos europeus e os europeus também aprenderam dos africanos. Esse intercâmbio permanece nos nossos dias, podendo ser visível nas várias formas como os indivíduos se alimentam, se vestem, falam, se relacionam entre si, o tipo de música que tocam e/ou que escutam, etc.

Esses elementos tornaram-se, a meu ver, mais notáveis durante e a após o encontro entre os europeus e os africanos. Desse encontro, tornou-se quase claro que a África é caracterizada por uma diversidade de povos, com organizações políticas, económicas, sociais e culturais muito diversificadas. Deste modo, afirmamos que a África não é uma entidade homogénea. Até agora não sabemos se existe algo que seja comum a todos os africanos. Aqueles que considerarem que existe em comum o facto de os africanos partilharem o mesmo espaço geográfico, devem compreender que existem espaços geograficamente situados no continente africano mas que não pertencem à África. Do mesmo modo que no mundo das artes musicais, não se possa considerar que exista um ritmo que seja africano, embora seja produzido no espaço geográfico em que se situa o continente. Mas também é importante compreender que um ritmo produzido num país de África pode ser um ritmo africano, contudo um ritmo africano não significa o ritmo de um determinado país africano. Por exemplo, um ritmo moçambicano é um ritmo africano, mas um ritmo africano não é necessariamente um ritmo moçambicano.

Quando se trata de abordar assuntos que envolvam o adjectivo africano, ocorre a necessidade de precisar a que parte da África se refere. Falar da existência de um ritmo mais de África é afirmar que existe uma transparência consensual do conceito de África. Está-se a afirmar que quando se fala de um ritmo mais de África, todo o mundo tem em mente a ideia do referido ritmo. E agora pergunto eu ‘‘Qual é o ritmo de África? Ou ainda qual é o ritmo de Moçambique?’’

Marcos SINATE